terça-feira, 19 de outubro de 2010

Internet: emancipação ou alienação?

Segundo o Prof.º do Departamento de Ciências da Informação e da Mídia da Universidade de Uppsala (Suécia) existem três mitos centrais a respeito das tecnologias digitais na contemporaneidade.
O primeiro deles diz respeito à pretensa democratização ou socialização realizada pela mídia digital. Por existirem atualmente meios de coparticipação, em que os usuários de um programa podem ser os autores e difusores de informação, cria-se uma ideia de que a internet viabiliza a participação ativa de todo e qualquer usuário interessado. Para o professor, este fato é um mito porque toda informação sustenta sua validade na confiança que inspira em seus leitores. Estamos aqui, lidando com uma faca de dois gumes: se centralizamos a edição e revisão de informações na mão de um pequeno grupo, ficamos sujeitos a uma doutrinação ideológica e arbitrariedades; mas se descentralizamos e retiramos a necessidade de um grupo avaliativo da informação, estamos sujeitos a opiniões não verificáveis e não verídicas.
O segundo mito é o de que a internet e suas participações democráticas ou socializantes, sugerem o fim do Estado-nação, uma vez que cria medidas participativas-administrativas que colocam o indivíduo comum em um dos nódulos da teia de debates, não mais hierarquizada, mas sim, horizontalizada. O erro estaria no fato de que mesmo os meios digitais de debate estão sujeitos à legislação. Vale resslatar que o Youtube foi recentemente proibido na Turquia, pois não era condizente com os programas do governo; ou, em outro caso, que os softwares de mensagens instantâneas, como o MSN, foram proibidos na Arábia Saudita e nos Emirados Árabes Unidos. Estes exemplos mostram a força do Estado e que este não viabilizaria a utilização de uma tecnologia que minasse sua estrutura e organização.
Além disso, o Estado e inúmeras de suas instituições são imprescindíveis para o funcionamento da sociedade. E se a tecnologia pode tornar a participação mais efetiva (se bem que esta pretensão democrática já foi relativizada no primeiro mito) está longe de acabar com o Estado-nação.
O terceiro mito está na crença de que o jornalismo chegou à seu fim, por conta da possibilidade investigativa e participativa que cada indivíduo pode assumir nas redes digitais de comunicação. O equívoco reside no fato de que os meios de difusão da informação mais tradicionais já conceituados, como jornais e revistas, formulam a análise e divulgam a informação segundo critérios estabelecidos e fundamentados. Por mais que não concordemos com o que diz a Folha de São Paulo, por exemplo, podemos tomá-la como base para a discussão de determinado tema, uma vez que conhecemos seus colunistas e sua orientação político-ideológica. Se a informação se difunde de forma descentralizada pela internet, estamos sujeitos a informações não fundamentadas, ao senso-comum e a mentiras, como o primeiro mito já havia previsto.
"A ideia de que a informação em 'estado bruto' conduz, necessariamente, à emancipação é tão ingênua quanto aquela que atribui à tecnologia uma poder de libertação intrínseco". A linha que divide o engajamento da alienação na internet é tênue. Tais mitos facilmente nos conduzem a um individualismo mais exacerbado, desassociativo e desarticulado. E nos leva para longe da noção de que as mudanças efetivas só se concluem com organização e luta. Cuidado, meus caros! A bandeira da libertação pode nos conduzir à incomunicabilidade, e à supremacia do capitalismo.

* Este texto foi elaborado com base no artigo Três mitos da era digital publicado no jornal "Le Monde Diplomatique Brasil", Setembro de 2010, pág.37.
* A citação foi, também, retirada do artigo.

2 comentários:

  1. Pois é, Andrey, sou obrigado a concordar com a ingenuidade dos dois últimos mitos aqui citados, mas acredito que a democratização da informação não seja um mito.
    O argumento de que a informação divulgada por usuários da internet é digna de pouca confiança por falta de sustentabilidade e verificação é insuficiente para que este fato seja computado como mito.
    Se formos pensar no leitor digital como o mesmo bobão receptor (apenas) da grande mídia de massa do século passado (imprensa, televisão e rádio), então realmente a vasta proliferação de informação na internet só atrapalha e confunde. Mas se o usuário da mídia digital for diferente disso, ou seja, mais inquiritivo, mais astuto em colher e selecionar informações e fontes, então a análise deve mudar. São dois usuários diferentes: o da grande mídia de massa e o da mídia digital.
    O usuário (junkie?) digital amadurecido sabe muito bem tirar proveito das capacidades da net para filtrar e difundir informações segundo o seu interesse ou um interesse de grupo que pode muito bem não representar o senso comum ou um interesse corporativista.
    Não é apenas o meio que determina isso mas a intenção e o valor da iniciativa dos usuários das redes digitais.
    Se acompanharmos os movimentos sociais atuais, podemos ver como a rede agiliza a troca de informações entre eles, aproximando-os e fortalecendo a capacidade de atuação local de cada grupo. Posso citar a título de exemplo os blogs feitos durante ocupações em reitorias de universidades federais (http://ocupacaousp.noblogs.org/ , http://ocupacaodaufc.blogspot.com/ , http://ocupacaounb.blogspot.com/ ).
    Isso sem contar a divulgação de produtos culturais independentes ou não através da pirataria.
    Tudo depende de como esses usuários têm a habilidade de selecionar e de criar uma respeitabilidade sobre o seu trabalho informativo, adquirindo uma confiança mútua entre grupos engajados afins.
    Claro que esta democratização não é completa por causa do custo da tecnologia, mas que esta tecnologia representa um avanço na produção independente de informação isso é inegável e os exemplos são muitos, destacando aqui as redes de produção de softwares livres, fóruns dos mais diversos assuntos e blogs inclusive.
    Por fim, trocando em miúdos, pessoalmente encontro muito mais confiança na informação que venha de vários pequenos duvidosos (a qual posso processar e extrair um cardo útil) do que na de um único gigante maquiavélico e onipresente. Isso para mim ainda é democratização da comunicação, ainda que imperfeita, mas é o melhor que tá teno... ;) Abrax.

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  2. Sobre o terceiro mito

    Não concordo que "o equívoco reside no fato de que os meios de difusão da informação mais tradicionais já conceituados, como jornais e revistas, formulam a análise e divulgam a informação segundo critérios estabelecidos e fundamentados. Por mais que não concordemos com o que diz a Folha de São Paulo, por exemplo, podemos tomá-la como base para a discussão de determinado tema, uma vez que conhecemos seus colunistas e sua orientação político-ideológica. Se a informação se difunde de forma descentralizada pela internet, estamos sujeitos a informações não fundamentadas, ao senso-comum e a mentiras, como o primeiro mito já havia previsto".

    Hoje prefiro, por exemplo, buscar informação e referências no Guaciara a ler qualquer colunista de qualquer grande jornal paulista ... Sinto me mais situado no contexto nacional, no debate político, na realidade brasileira.

    A minha "alienação" musical - com relação aos padrões imperativos ditados por tiagos neys e lúcios ribeiros - me conduziu a blogs de gente estranha com ideias esquisitas e hoje, por exemplo, cheguei ao álbum "magus operandi" (http://www.mediafire.com/?z5fszdf2xkdsx6n) do parteum, ao blog do cara, seus processos de composição e criação, entrevistas, vídeos e muitos links que abriram ainda mais portas para mundos mais reais do que os que as ilustradas da vida nos propõe a viver ... Em uma das entrevistas do parteum, por exemplo, o Zé Rolê é mencionado como um dos grandes renovadores da música brasileira (http://centralhiphop.uol.com.br/site/?url=materias_detalhes.php&id=663)

    Portanto, mesmo nos "veículos oficiais" de informação estamos sujeitos a informações não embasadas, não investigadas, distorcidas, tendenciosas, amarradas a interesses meramente comerciais.

    E, claro, que na "blogosfera" tem milhões de coisas que não passam na peneira nem do senso-comum, mas isso acontece na mídia oficial também!

    Então cabe a nós sermos crpiticos o suficiente para discernir o que é legal e o que não é ... Que informação é pertinente para expandirmos nosas ideias, nossos contatos, nossas relações sociais, nossa sensibilidade, nossas concepções artísticas e estéticas ...

    Assim é preciso equilibrar bem as coisas e não radicalizar como o terceiro mito está propondo.

    Caso contrário, estaríamos negando a função deste próprio blog que tem posts muito interessantes como, por exemplo, o anterior que anuncia shows espetaculares pro final de semana e acima colca dois vídeos pra geral!

    Eu não conheço a orientação político-ideológica do Parteum e ele não é jornalista da folha de são paulo, mas disse uma coisa extremamente verídica e verdadeira em seu blog independente.

    Ou sou eu alienado, exarcebado, dissociado e dissociativo, desarticulado e incomunicável sob o poder supremo capitalista? Talvez seja mesmo, mas com relação ao que propõe o texto ... não com a prática de reflexão diária perante a descarga de informações que recebemos diariamente.

    Estou totalmente incomunicável, dissociado, mas com um bom som rolando nos alto-falantes ... isso é o que importa, não!? Não compro o que a ilustrada sugere e não me importo com as posições político-ideológicas dos outros para moldar as minhas.

    Concordo que o jornalismo não chegou ao fim. Pelo contrário, este é só o princípio ...

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