quinta-feira, 16 de junho de 2011

De Ruanda à Pouso Alegre, um exemplo de cidadania

<!--[if !vml]--><!--[endif]-->Faz quase dois anos que passei a morar no bairro rural Portal do Ipiranga, em Pouso Alegre, Sul de Minas, cidade onde moro há anos. O Portal fica colado ao bairro urbano Cidade Jardim, que de jardim, só o nome. No lugar de flores, lixo, muito lixo. A situação do bairro colado ao meu é entristecedora. Há lixo doméstico, resto e sobras de construção e o mau cheiro de animais mortos e putrefatos nas esquinas pelo entorno de todo o bairro, em quantidade relevante. Para piorar, crianças brincando neste cenário e cães e gatos se alimentando do lixo.
Parte disso começou a mudar. Há alguns meses, ao ter que caminhar pelo bairro para pegar o ônibus até o trabalho, comecei a ver que uma pequena área desse cenário sofreu transformações. A cada dia um pedaço do entorno aparecia limpo e com os entulhos empilhados na beirada. Surpreendi-me ao ver, quase todos os dias dos últimos meses, um homem de estatura baixa e de corpo franzino de posse de um facão e com muita energia, a limpar e empilhar o lixo.
Esse bairro, surgido há 15 anos e localizado às margens da Rodovia 455, sentido Santa Rita do Sapucaí, cresceu bastante. Com 3 mil habitantes, o Cidade Jardim é uma comunidade tranqüila, mas que sofre bastante com a falta de ações públicas mais eficientes para o tratamento do lixo e com moradores ainda não conscientizados da importância de se preservar, não só o meio ambiente, mas o próprio local onde vivem.
Demorei um pouco, mas abordei o homem me diziam ser africano, para que me cedesse uma entrevista e então pudesse falar sobre a ação de limpeza que fazia no bairro. Fiz isso quando já me deparava com essa área totalmente limpa, cercada e com plantações bem estruturadas de bambus feitas por mãos que conheciam bem sistemas agrícolas comunitários.
De Ruanda, Angola, Leonardo João Sassa, de 62 anos, que está há oito anos no Brasil e há quatro em Pouso Alegre, resolveu limpar e criar uma horta comunitária após se deparar, pelas  manhãs, com amontoados de lixo sendo despejados na frente de sua casa.
“Quem será que está a jogar lixo aqui”, me perguntava. “Ontem não tinha isso. Então eu percebi que as pessoas vinham tarde da noite para despejar lixo pelo entorno”, disse Leonardo com seu sotaque africano, em meio ao barulho intenso dos caminhões que passavam pela rodovia.
Foi em Ruanda e no Congo que Leonardo cresceu, aprendeu a falar português, francês, o dialeto local e onde estudou agrotecnia. Foi em Ruanda, também, que ele diz ter ingressado na ONG Federação Para a Paz Universal, a qual o trouxe ao Brasil há oito anos. Pela ONG, Leonardo ensinava seus conhecimentos de agrotecnia comunitária à comunidades na África e depois, em palestras no Brasil.
Perguntei a ele se ninguém o tinha questionado sobre o fato de estar a limpar uma área pública e depois a utilizá-la para plantio, ao que me respondeu: - “muitas pessoas me criticaram, falaram que eu não podia fazer isso porque não era minha propriedade, mas eu relevei, pois estava determinado. Eu obtive uma autorização da prefeitura e sou considerado por eles parceiro do meio ambiente.”
Após limpar sozinho toda a área, Leonardo foi até a prefeitura para solicitar que viessem retirar os entulhos empilhados. A secretaria de meio ambiente recolheu e expediu um documento que o autoriza utilizar a área de 70 metros de comprimento por seis metros de largura para organizar atividades agrícolas e de paisagismo, desde que não fosse para fins lucrativos. 
Depois de plantar milho e feijão, Leonardo organizou plantação de alface americana, a qual utilizará para alimentar sua família, composta por ele e a esposa, e também irá doar à escola municipal do bairro para que seja utilizada na merenda.
Por último, perguntei a ele se, ao mesmo tempo em que recebeu críticas, não recebeu também reconhecimento ou ainda se percebeu alguma mudança de comportamento dos moradores vizinhos, ao que respondeu: - “aqui não preciso dizer mais nada, minha ação é um exemplo para a comunidade, para o povo brasileiro. Cada um pode cuidar do seu meio ambiente. Isso (o lixo) é sinal que as pessoas não se identificaram com o seu meio ambiente. O ser humano precisa se identificar, a partir de seu Deus, do seu povo nativo, mas também a partir do seu meio ambiente. Quando começar a identificar-se com seu meio ambiente ele descobrirá que faz parte do ciclo biológico da natureza, pois dependemos dela para viver e existir. Ao destruir a natureza, o ser humano destrói a si mesmo”.
Recentemente o bairro foi limpo pela prefeitura municipal, como aconteceu outras vezes, entretanto essa é apenas uma ação unilateral. Após alguns meses tudo voltará a estar sujo. Pouco se tem feito para unir moradores e entidades para uma conscientização da comunidade sobre a importância da seleção do lixo e de seu reaproveitamento. Seria pertinente que a prefeitura percebesse que também é co-responsável por essa mudança de comportamento. É preciso ensinar aos moradores o ciclo biológico da natureza; como Leonardo citou, o lixo pode ser despejado de forma ecológica, pode ser selecionado e reutilizado dentro da própria comunidade para a reconstrução de arquiteturas sustentáveis e energias renováveis, formando assim o ciclo “limpa, educa e reconstrói”.
Com a limpeza de Leonardo surgiu um jardim de flores e plantas que pode ser notado ao lado de sua plantação. Quando perguntei sobre, ele me respondeu que já estava ali e que tinha sido plantado pelo vizinho, mas pouca visibilidade tinha porque o lixo e a alta vegetação o escondiam. Talvez, se outros seguirem o exemplo de Leonardo, há de se descobrir que o Cidade Jardim, realmente, tem jardins.






Por Alberto Hektor

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