Desde que cheguei ao rio de janeiro na terça que preocupações estranhas são ouvidas da boca dos residentes da cidade. alguma coisa de inédito está acontecendo e pressente-se que isto vá se manifestar com toda a sua força nos próximos dias. As cenas de violência do filme tropa de elite 2, que assisti aqui mesmo no rio, insistem em se impor como um sinistro reality show 24 horas por dia na tv. café-da-manhã, almoço e janta. Andei por alguns dias pelo centro, as notícias estavam por toda parte mas parecia haver uma certa distância, não vi nada fora da mídia que me dissesse claramente que havia uma guerra na cidade.
Na quarta-feira um primeiro indício: depois de beber na lapa até perder a hora do metrô tive que recorrer ao ônibus para tentar chegar em casa, no ponto diversos ônibus passavam reto sem parar. O motorista de um dos que pararam avisou lá de dentro, a empresa está recolhendo todos os carros para a garagem. Alguém no ponto falou que eles estavam com medo dos terroristas. Achei engraçado quando me dei conta do uso do termo, um cara que conheci na lapa me questionou, mas não é mesmo terrorismo? Estão queimando ônibus e carros (mais tarde soube que queimaram alguns motoristas e cobradores juntos em uns dois casos, naquela noite até o meio do próximo dia teriam sido queimados cerca de 30 veículos em diversas regiões do rio de janeiro). Por sorte o ônibus que me levaria até próximo de casa parou, quando desci caiu uma chuva torrencial, terminei a noite ensopado.
Passei todo o dia seguinte ouvindo palestras de filosofia no centro, estava ansioso pra que acabasse, tinha combinado com alguns amigos de ir ver um show do Lenine de graça na lapa. quando estava saindo liguei para eles e todos diziam que iam ficar em casa, o rio estava sinistro no jeitão carioca deles de dizer as coisas, fiquei um pouco chateado, mas quando pus a cara para fora do edifício havia sirenes de polícia, bombeiro e ambulância pra todo lado. Todos os alunos andavam apreensivos em direção ao metrô. Encontrei dentro do trem o amigo que me acolheu todos esses dias e fomos para casa.
Chegando lá vimos as imagens dos bandidos fugindo debaixo de bala de um morro para outro. Sua esposa nos explicou através do mapa de satélite tudo o que estava acontecendo, onde os policiais haviam tomado e pra onde os bandidos fugiam. Ela trabalha no Hospital Estadual Getúlio Vargas - Hegv - no bairro da penha, o próprio front do conflito daquele dia, e contou tudo o que viu da operação. Os policiais usaram o próprio hospital como base tática, policiais do bope armados de fuzis se concentravam ali, chegavam e saíam tanques da marinha carregados de policiais, alguns tanques danificados na batalha eram rebocados, pessoas feridas, uma menina foi atingida por uma bala e morreu ali no trauma do hospital.
A esposa do meu amigo havia sido dispensada no fim da tarde, de algum modo ela achou um taxi e veio embora. O taxista disse a ela, se a senhora ver algo de estranho se aproximando grita. Quando chegou em casa sã e salva se deu conta de que tremia. Em seguida escrevi uma email, ela disse, e enviei para o site do governador, quer ver? e me mostrou o que havia escrito:
"Trabalho na emergência do HEGV, vejo mortos e feridos...atendo crianças inocentes "machucadas" com feridas irreparáveis em sua infância já comprometida por nascença. Hoje, mais duas e amanhã, quantas serão? Entre mortos e feridos eu ainda não estou na estatistica, nem minha família. Não moro no subúrbio mas também não me escondo em carro blindado... não sou escoltada. E amanhã, como chegarei ao trabalho? E como sairei? Os 1500 reais não pagam meu medo. Serei mais uma a pedir exoneração?
Excelentíssimo, como ajudarei crianças inocentes se eu nem chegar ao trabalho? O dinheiro não paga uma vida. O Estado não paga uma morte. E minha vida não pode ser em vão.
Peço proteção e não policiais armados com fuzis em nosso refeitório. Peço Paz e não um "Caveirão" estacionado em minha vaga.
Nunca faltei meu trabalho, o medo não altera meu amor pela profissão e para com o próximo, mas são dias de choro em meu coração. Dias de revolta.
Por favor, nos proteja, não nos agrida.
Atenciosamente,
Maria"
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