segunda-feira, 16 de maio de 2011

Agoniza, mas não morre

Abro esse post com duas citações, uma de Nelson Sargento e outra de Vinícius de Moraes. Sargento afirma em uma de suas canções mais conhecidas que o “samba agoniza, mas não morre”, já o poetinha em um momento de insatisfação com a terra da garoa, afirmou que “São Paulo é o túmulo do samba”.




O Metá Metá aparece pra reforçar a tese de Nelson Sargento e para refutar as palavras de Vinícius de Moraes. Recentemente o grupo lançou 3 músicas na internet, que podem ser ouvidas e baixadas no seguinte endereço: http://soundcloud.com/metametaoficial.


Surgido na capital paulista, o grupo é constituído por Juçara Marçal (voz), que atuou no grupo paulistano A Barca, Kiko Dinucci (violão), que tocou com o Grupo Afromacarrônico e Duo Moviola e Thiago França (sopro), que lançou um disco chamado “Na gafieira” e participou da gravação de álbuns de importantes compositores de samba, como Osvaldinho da Cuíca e a Velha Guarda do Camisa Verde e Branco.


A música do metá metá parece transitar entre o tradicional e o inovador. Se por um lado traz a influência do candomblé (coisa que Baden Powell e Vinícius de Moraes também fizeram em seu álbum Afro- sambas de 1966) e de sambistas da velha guarda de São Paulo como Geraldo Filme, (isso fica ainda mais claro nas canções sólo de Kiko Dinucci); por outro, não deixa de lado as inovações trazidas por Itamar Assumpção e pelo grupo Premeditando o breque, por exemplo, expoentes de uma música de vanguarda feita em SP. Os sopros de Thiago França, por sua vez, faz lembrar um dos maiores representantes da música africana moderna, o nigeriano Fela Kuti. Parece, portanto, que essa busca de sintetizar talvez seja essencial para a sonoridade do grupo e, para falar do Metá Metá, talvez seja imperativo falar das várias sonoridades e influências presentes em suas canções. Isso parece ficar mais claro se examinarmos o nome do grupo. De acordo com Nei Lopes, “em língua ioruba a palavra metá significa três, sendo assim metá-metá pode ser traduzido em um sentido mais próximo à tradição africana como três ao mesmo tempo, ou seja, a síntese de três elementos em um”.


Como sabemos, a cultura brasileira é sincrética e deriva das culturas dos diferentes povos que aqui fincaram pé ou tiveram que fincar. A síntese musical do Metá Metá não é nova, mas é algo próprio do universo do samba ou da música brasileira. Ao que parece, o ritmo brasileiro por excelência é ele próprio derivado de outros ritmos, como o jongo por exemplo. Os instrumentos de corda que lhe são importantes vieram das culturas europeias e árabes e, ao se unirem com a percussão dos instrumentos africanos, fizeram surgir uma nova forma de fazer música no Brasil. É só observarmos as várias derivações que surgiram do samba para percebermos que não se trata de um ritmo com estrutura fechada, mas de um ritmo que surge de várias influências e, a partir dele, surgem várias derivações rítmicas como o samba de roda, o samba de terreiro, o partido alto, o samba rock, o pagode, o samba rural e vários outros.


O que difere o Metá Metá é a competência para sintetizar suas influências. Por meio da estrutura aberta que o samba apresenta, os músicos dão vida nova ao ritmo, explorando as potencialidades que esse tipo de música apresenta e acrescentando uma série de inovações do cenário musical de 2011. O samba não morre exatamente por essa sua capacidade de se transformar, de se reinventar, e é exatamente nisso que ele tem afinidade com a cultura brasileira: a capacidade de ser várias coisas ao mesmo tempo, como acontece, por exemplo, na nossa literatura em obras como Macunaíma – o herói de nossa gente, que vive se reinventando, mudando de raça, de cor, de forma. O metá metá segue um caminho parecido ao reinventar suas influências musicais, tendo-as como ponto de partida, mas não se limitando a copiá-las. Diferente disso, busca a sua combinação e refinamento, de modo a ficar clara uma autoria própria, um jeito próprio de combinar o atual com o conhecido e o que é brasileiro com suas raízes africanas. O resultado é uma música que soa nova ao mesmo tempo que tradicional. Ouvindo sambistas da nova geração como Leandro Sapucahy, Diogo Nogueira e Dudu Nobre, tenho a impressão que suas músicas carecem de originalidade, não são engenhosas ao ponto de soarem diferentes, estão muito próximas ao que os sambistas cariocas fizeram no século passado. O mesmo é impossível de se afirmar das canções do Metá Metá. 


Por ironia do destino, esse samba inovador e de primeira qualidade  vem sendo feito por bambas de grande categoria exatamente no espaço em que Vinícius de Moraes imaginou que ia ser o cemitério da nossa música mais tradicional.



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